10 julho 2006

Excerto do livro CEDRIM, de Albino Costa

"Modalismo ou corrupção de Synedrim, ou Senedrim, como prefere Bluteau, a pitoresca aldeia do Vouga, que o hábil pincel do artista português, Vieira de Sá, fielmente reproduziu na formosa tela com que me brindou, e da qual é apagadíssima cópia a fotogravura colocada à frente deste pequeno volume, é uma das muitas povoações da velha Beira, anteriores à fundação da monarquia portuguesa.

Por quem foi ela fundada? Em que época? Ignora-se. Emergiu, desconhecida e obscura, num gracioso contraforte da serra da velha Lusitânia, da feracíssima Lusitânia dos Turdulos e de Viriato, que Plinio e Strabão situam desde as montanhas das Astúrias onde nasce a ribeira Astur, nome do cocheiro de Memnon, abrangendo o Hermínio (Estrela), Vacca (Viseu), Eminio (Águeda) e Talabriga (Aveiro), e dilatando-se até à orla ridente do mar, entre as embocaduras do Douro e do Mondego. Exactamente a região da antiga Beira.

Ainda Viseu, Lamego e Coimbra não haviam sido conquistados aos mouros por Fernando Magno, de Leão, nem Afonso VI, avô do herói de Ourique, havia conquistado a famosa Tolletum e as povoações do Guadarama, onde hoje se assenta a donairosa Madrid, e já havia menção histórica da existência de Cedrim, como existiam já, com os nomes actuais, antes da formada a Castela, a maioria dos núcleos de população da moderna geografia portuguesa. Existia, de facto, a Nação. Só lhe faltava, de direito, a organização da sua unidade política.

Cedrim, em 1017, tinha um convento de monges e freiras da ordem de S. Bento, que, um século depois, D. Teresa, mãe do primeiro rei de Portugal, de passagem para as caldas de Lafões (S. Pedro do Sul), visitou. Desde quando existia esse mosteiro em Cedrim? Provavelmente, filial, como vários outros, do que, sob a invocação do mesmo santo, a nobre condessa Mumadona fundou em Guimarães, no ano de 927, com 25 coutos, freguesias e algumas marinhas de Aveiro. É de presumir, pelo seu patronimico hebraico, que o mosteiro de Cedrim fosse construído, ou apenas estabelecido, sobre um Senedrim israelita (tribunal judaico destinado a julgar as transgressões do ritual Thalmudico).

Nem pareça aventurosa esta definição, se atendermos a que Senedrim está a 5 quilómetros de Sever; que é, sem corrupção, nem modalismo, Sepher: prédica sagrada de Abraão aos seus filhos, a qual depois os hebreus faziam em templos que tomaram este nome. Os judeus e fenícios deram nome a muitas povoações, rios e regiões da Lusitânia e da Espanha. Foram eles, que, não podendo mais suportar a tirania dos godos, auxiliaram a invasão árabe, de Musa, entregando-lhe, em 712, as chaves de Toledo. Floresceram à sombra da tolerância religiosa dos maometanos, que lhes permitiam o culto. Fizeram-se senhores do dinheiro. Tiveram na Lusitânia, assim como, posteriormente, em Portugal, o monopólio do comércio; eram os gestores dos almoxarifados, dos celeiros reais. Eram os banqueiros e até ministros da fazenda, contadores e letrados. São suas as Tábuas Astronómicas denominadas Afonsinas.

Foi judeu, Mestre Joseph, um dos três estadistas de D. João II, que criaram o astrolábio. Era judeu o cosmógrafo-mor da armada de Cabral, esse João Emeneslau, tão exacto, que no incipiente astrolábio, em 26 de Abril de 1500, desembarcando em Porto Seguro, assinalou 17 graus de latitude Sul, a mesma latitude confirmada pelos instrumentos aperfeiçoados do século XX! Contrasta com Cristóvão Colombo, que, em Cuba, achou 43 graus de latitude Norte, estando a 21 graus, ainda dentro do trópico de Câncer!

Cedrim, a pitoresca aldeia onde nasci, não tem história, ou a sua história some-se na da região. É uma das 9 freguesias que compõem o concelho de Sever do Vouga, distrito de Aveiro. Até ao século XVIII pertenceu ao Couto de Esteves e formava, com Ribeiradio, uma só freguesia, dependente daquele Couto, outrora propriedade da Coroa. Cedrim é limite da moderna Beira Alta com a província do Douro.
Conta 163 casas com 648 habitantes.

Num alto monte, em cuja encosta se estende garridamente o viçoso panorama da aldeia, deve ter existido um castelo, pequeno castelo, que deu nome ao monte. Seria talvez algum castro romano ou gótico? Ignoro. Espero breve visitar suas ruínas e dizer então sobre elas.

Ali, perto, está Santo Adrião ou Santadrão, como diz o povo, onde, da extinta abadia foi titular Diogo Barbosa Machado, autor da Biblioteca Lusitana.

E do Arciprestado de Lafões, a que Cedrim pertence, foi natural o famoso escrivão dos Pleitos de Colón, António de Ledesma, escrivão, -ou secretário, como hoje diríamos,-neto do nosso piloto Bartolomeu de Perestrelo e filho de Cristóvão Colombo,-nascido no Funchal e tronco das suas nobres famílias dos duques de Veragua e de Ossuna."

Albino Costa (1915)